27 julho 25 Lisboa e Vale do Tejo
“O que é nacional é bom” | Texto de Pedro Novo no Observador
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O que é nacional, é bom!
Somos um dos países com maior número de Prémios Pritzker per capita, mas que provações mais terão os arquitectos portugueses de passar para conquistar um reconhecimento efetivo no território nacional?
Os arquitectos portugueses, pese embora o difícil contexto para a prática profissional dentro de portas, têm sistematicamente recebido os mais variados elogios e prémios internacionais. A reconhecida qualidade da sua prática profissional além-fronteiras, a par de uma formação académica exigente, que procura acompanhar os acelerados processos de mudança, permite que um recém-licenciado em arquitectura encontre estágio ou emprego com relativa facilidade em gabinetes e instituições internacionais.
É inegável que a arquitectura portuguesa, em sentido lato, é um bem cada vez mais estudado, sólido e sobretudo exportável, por se considerar premium em comparação com tantas outras, constituindo-se como um importante produto de exportação nacional. A recente candidatura de um conjunto de obras de Álvaro Siza Vieira a Património Mundial da UNESCO, apesar de prematura, perspectiva-se como inevitável, e será um testemunho do valor excecional da produção arquitectónica contemporânea nacional.
Souto de Moura, Aires Mateus, Carrilho da Graça, Byrne, OODA ou Miguel Saraiva, entre tantos outros, mais novos, mas muito dinâmicos, são disso exemplo, com obra produzida lá fora, por iniciativa e desejo dos estados e dos promotores estrangeiros. Somos um dos países com maior número de Prémios Pritzker per capita (Siza e Souto Moura), revelador da importância internacional da nossa produção arquitectónica.
É, por isso, preocupante e inquietante que, nos últimos tempos, se assista a um desinvestimento material e simbólico por parte do Estado e das suas instituições – e em particular por parte dos grandes promotores imobiliários – na arquitectura de produção nacional, preterindo-a pela produção estrangeira. Em projetos de elevado valor público e identitário, têm sido escolhidos arquitectos estrangeiros, como se a qualidade da nossa arquitectura não estivesse já comprovada, num claro sinal do desinvestimento na proteção das empresas e na arquitectura nacional. De resto, em total dissonância, com o que se passa além-fronteiras, em que os estados estrangeiros dão primazia à produção nacional e, apenas em casos pontuais e muito excecionais, abrem as portas à participação de ateliers estrangeiros.
Que provações mais terão os arquitectos portugueses de passar para conquistar um reconhecimento efetivo no território nacional?
A recente polémica na escolha do arquitecto japonês, Kengo Kuma, para projetar o Pavilhão de Portugal em Osaka no Japão, é um exemplo paradigmático. A representação de Portugal no mais relevante palco internacional de promoção cultural, onde se esperam mais de 28 milhões de visitantes, ficou ferida de autenticidade nacional, desperdiçando mais uma vez uma extraordinária oportunidade de mostrar e valorizar o que de melhor sabemos fazer, o nosso património imaterial de excelência, a arquitectura.
É certo e sabido que o Código dos Contratos Públicos estipula, que os concursos de conceção com valor estimado acima dos limiares europeus devam ser publicitados a nível internacional visando garantir a transparência e a concorrência leal entre profissionais qualificados, nacionais e estrangeiros. Contudo, em projetos com uma forte carga identitária, como é o caso do Pavilhão de Portugal em Osaka, é difícil compreender a considerada desvalorização da reconhecida e qualificada arquitectura portuguesa.
Por outro lado, tem vindo a crescer a percepção errada, em particular no sector privado, de que a contratação de um arquitecto estrangeiro pode facilitar ou acelerar os processos de licenciamento urbanístico, sobretudo em projetos de elevada escala e complexidade no nosso território. Esta percepção, que me parece infundada, resulta de um problema mais profundo: a falta de reconhecimento e a desvalorização da classe dos arquitectos portugueses por parte de promotores e instituições do estado, em total oposição com o reconhecimento e a valorização internacional de que goza a produção arquitectónica nacional. A pressão imobiliária junto das entidades licenciadoras não poderá nunca determinar a celeridade de um licenciamento com “carimbo” estrangeiro, sobretudo quando o projeto está ferido de legalidade e da ausência de ética, a reboque de interesses eleitorais ou mediáticos.
A valorização dos arquitectos portugueses, em particular, nos processos de internacionalização, não é apenas uma questão de justiça para com os profissionais, mas uma necessidade estratégica para o país.
A Política Nacional de Arquitectura e Paisagem tem de ser de uma vez por todas reconhecida pelos decisores políticos, dando cumprimento aos compromissos internacionais assumidos por Portugal no quadro da valorização da arquitectura, da paisagem, do ambiente e do património cultural. Esta estratégia visa sobretudo a promoção da qualidade do ambiente natural e construído enquanto fator estratégico e determinante na promoção do bem-estar e da qualidade de vida dos cidadãos e da sua participação no espaço público. Pela relevância da produção arquitectónica e da paisagem, a criação e a aplicação de uma política pública de arquitectura e paisagem, na defesa do seu valor social, cultural e económico, constitui-se também como um desígnio de Portugal.
É urgente que os decisores públicos e promotores privados reconheçam e valorizem a excelência nacional, adotando uma política ativa de promoção da arquitectura portuguesa como bem estratégico e económico.
Num momento em que o país se afirma cada vez mais como referência internacional nos domínios da arquitectura, impõe-se uma mudança de paradigma, de responsabilidade para com o território e a sua paisagem, e sobretudo a necessidade de um compromisso com a promoção e a projeção internacional da arquitectura portuguesa enquanto legado para as gerações futuras.
Pedro Novo, presidente OA-SRLVT
(Nota: O original do artigo foi publicado pelo jornal Observador a 26 de julho de 2025)