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17 outubro 25 Toda a OA

Arquitetura, ética e economia: Europa debateu o valor social da profissão

Avelino Oliveira, Presidente da Ordem dos Arquitectos

Diego Zoppi, Itália - Conselho Nacional dos Arquitetos, Planeadores, Paisagistas e Conservadores,

No dia 6 de outubro, Dia Mundial da Arquitetura 2025, a Casa da Arquitectura, em Matosinhos, acolheu a conferência internacional “Architecture’s Value to Society”, organizada pelo Architects’ Council of Europe (ACE|CAE) em parceria com a Ordem dos Arquitectos (OA).
O encontro reuniu delegações de nove países europeus — Portugal, Itália, Espanha, França, Alemanha, Polónia, Croácia, Roménia e Suécia — num diálogo aprofundado sobre os fundamentos éticos, os modelos económicos e os desafios regulatórios da profissão de arquiteto no espaço europeu.

AESOP: uma reflexão europeia sobre a economia da arquitetura

A conferência integrou-se num ciclo de reflexão promovido pelo grupo europeu AESOP (Architectural Economies Survey of Professional Practice), recentemente criado no seio do ACE|CAE, com o objetivo de estudar, comparar e harmonizar os sistemas de honorários, responsabilidades e práticas profissionais entre Estados-Membros.

 

O arquiteto Diego Zoppi (Itália), coordenador do grupo, abriu o debate com uma análise das 27 realidades distintas que coexistem na Europa, sublinhando a necessidade de “um quadro europeu que garanta equilíbrio entre economia e ética”.

 

“A qualidade tem um custo, e esse custo é o da dignidade da profissão”, afirmou Zoppi, reforçando o papel estratégico do AESOP como instrumento de conhecimento e de ação política, destinado a promover um mercado europeu mais justo, sustentável e transparente para o exercício da arquitetura, e defendendo a criação de mecanismos comuns de reconhecimento e regulação capazes de proteger o valor social da arquitetura e a sustentabilidade das pequenas e médias estruturas — que representam mais de 90% dos ateliers europeus.

 

Europa: o diagnóstico das desigualdades

O arquiteto Damir Mance, membro da Ordem de Arquitetos da Croácia, apresentou um retrato detalhado do seu país, onde 77% dos arquitetos exercem em regime independente e a remuneração média ronda os 18 euros por hora, um valor que considerou “insustentável para garantir qualidade”.

 

O desafio, afirmou, passa por criar redes cooperativas e instrumentos de regulação que permitam reequilibrar o mercado e travar práticas de dumping.

 

O arquiteto Borysław Czarakcziew (Ordem dos Arquitetos da Polónia), apresentou uma leitura abrangente do panorama europeu, demonstrando que os rendimentos dos arquitetos se situam sistematicamente abaixo do salário médio nacional em todos os países da União Europeia.

 

Apesar de um crescimento de 8 a 12% nos últimos dois anos, as disparidades salariais entre Norte e Sul continuam profundas, chegando a seis vezes de diferença entre países como a Alemanha e a Roménia.

 

Alemanha, França e Espanha: três modelos em confronto

Os representantes da Alemanha — Georg Brechensbauer e Udo Raabe — e da França, Elisabeth Gossart, abordaram a questão da regulação profissional e da contratação pública, ilustrando com clareza os efeitos das políticas de liberalização sobre a qualidade e a ética da prática.

 

Sublinharam que o critério do preço mais baixo nas adjudicações públicas conduz inevitavelmente à degradação da qualidade arquitetónica e à perda de confiança social na profissão.

 

O caso alemão foi apresentado como exemplo paradigmático: os oradores explicaram o funcionamento da HOAI (Honorarordnung für Architekten und Ingenieure), o histórico sistema de honorários que assegurava transparência e proporcionalidade entre a responsabilidade e a remuneração.

 

Recorreram a um exemplo concreto de uma obra de grande escala, de vários milhões de euros, demonstrando como a aplicação das tabelas HOAI permitia garantir qualidade e confiança entre projetistas e clientes.

 

Após a anulação da HOAI pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, alertaram, o mercado enfrentou uma crescente desregulação, concorrência por preços e perda de qualidade, tornando evidente a necessidade de parâmetros europeus de referência.

 

A arquiteta María José Peñalver Sánchez, tesoureira do Consejo Superior de los Colegios de Arquitectos de España, destacou os esforços recentes para reintroduzir parâmetros de qualidade e honorários mínimos indicativos, bem como a necessidade de “restabelecer a cultura da encomenda pública qualificada”.

 

Enfatizou o papel das ordens profissionais enquanto garantes do interesse público e da qualidade do espaço construído.

 

A delegação francesa reforçou, por seu turno, a importância do modelo cooperativo e interprofissional, em que arquitetos, engenheiros e economistas trabalham em rede, preservando a independência intelectual e a transparência na definição dos honorários.

 

Itália, Suécia e Roménia: o valor cultural e social da prática

O arquiteto Diego Zoppi, regressando à experiência italiana, enfatizou que a profissão atravessa uma mudança de paradigma, na qual os arquitetos devem afirmar-se como mediadores culturais e não apenas como prestadores de serviços técnicos.

 

A Itália está atualmente a desenvolver um novo quadro de avaliação do valor arquitetónico, que integra critérios ambientais, patrimoniais e sociais.

Sobre a Suécia, o arquiteto Carl Bäckstrand, presidente do Conselho dos Arquitetos da Europa, referiu o modelo emergente de honorários baseados em valor acrescentado, que considera não apenas a área construída, mas também a sustentabilidade, a diversidade social e a qualidade de vida urbana.

 

“A arquitetura deve ser entendida como investimento social de longo prazo”, defendeu Bäckstrand, acrescentando que a Europa necessita de “um novo contrato entre cultura e economia”.

 

Ștefan Bâlici, Presidente da Ordem dos Arquitetos da Roménia, alertou para a emigração massiva de jovens profissionais e para a erosão da remuneração média, fatores que fragilizam o tecido profissional e o próprio ensino da arquitetura.

 

Portugal: ponto de convergência

Portugal surgiu como epicentro do debate europeu. O arquiteto Avelino Oliveira, Presidente da Ordem dos Arquitectos, sublinhou que a encomenda pública é o verdadeiro campo de afirmação da qualidade arquitetónica, e que o critério do preço mais baixo tem conduzido a uma progressiva desvalorização do trabalho intelectual.

 

“Precisamos de restabelecer a cultura da encomenda pública qualificada, baseada na qualidade e na confiança, não na redução de custos à custa da dignidade profissional”, afirmou.

 

O presidente da OA salientou ainda que, apesar de Portugal possuir escolas e profissionais de excelência reconhecidos internacionalmente, enfrenta condições de remuneração muito abaixo da média europeia, o que agrava a perda de talento e a desmotivação dos jovens arquitetos.

 

Reafirmou, por isso, o compromisso da OA em trabalhar com o ACE | CAE e com as entidades públicas nacionais na construção de um novo quadro de referência para a contratação pública, alinhado com as boas práticas europeias e com o princípio de que a arquitetura é um bem público.

 

Uma Europa de arquitetos, uma profissão em transição

O encontro encerrou com um consenso alargado: a arquitetura é um bem público e cultural, e a justa valorização do trabalho intelectual é condição essencial para a qualidade do ambiente construído.

 

A conferência de Matosinhos representou um marco na construção de uma agenda europeia para a dignidade profissional, integrando ética, sustentabilidade, inovação e reconhecimento económico.

 

Como referiu Nuno Sampaio, Diretor Executivo da Casa da Arquitectura, “Sem boas condições, não há boa arquitetura; e sem boa arquitetura, não há boa sociedade.”

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