27 novembro 24 Toda a OA
Por uma mudança de paradigma na remuneração dos serviços de Arquitetura
É urgente criar uma legislação que valorize critérios de qualidade e não dependa apenas do preço como principal fator. Isso ajudará a garantir uma remuneração justa e estimulará a qualidade nos serviços prestados.
Decidimos comparar o cenário em Portugal com diferentes realidades e utilizando os dados recolhidos entre julho 2023 e junho de 2024 pelo Observatório da Profissão - projeto Remuneração Justa, confrontamos com algumas realidades de congéneres europeias que contém instrumentos reguladores, os quais estimulam a justa compensação pelo trabalho em arquitetura e engenharia e, ao mesmo tempo, respeitam a livre concorrência e protegem o consumidor.
Constata-se que os valores atualmente praticados em Portugal para pagamento de serviços de arquitetura e engenharia estão num patamar bastante inferior relativamente às referências indicadas.
É urgente criar uma legislação que valorize critérios de qualidade e não dependa apenas do preço como principal fator. Isso ajudará a garantir uma remuneração justa e estimulará a qualidade nos serviços prestados.
Nos últimos 20 anos (especialmente desde 2008), que se tem assistido a uma grave desvalorização dos serviços de arquitetura. Comparando os dados dos 98 contratos entre julho de 2023 e junho de 2024, com os referenciais utilizados há duas décadas (Portaria de 1972 que foi revogada e proibida em 2008 pela diretiva europeia e pela legislação nacional, que definia os honorários referentes aos projetos de obras públicas), constata-se que a remuneração dos projetos de arquitetura e engenharia da encomenda pública é, nos dias de hoje, percentualmente muito mais baixa do que os preços praticados outrora. Uma descida vertiginosa, de 4,35% na primeira década do século XXI (valor obtido pela média calculada aplicando referencias revogadas) para os atuais 1,99%, considerando o valor contratual médio, face ao valor previsto para a empreitada.
OU SEJA, UMA DESVALORIZAÇÃO DE 55%.
Os custos do setor da construção cresceram na percentagem inversa!
𝐄𝐬𝐩𝐚𝐧𝐡𝐚:
Em Espanha, apesar de não se poderem estabelecer tabelas indicativas de honorários, o trabalho de diferentes organismos rege-se pelas seguintes taxas públicas, ordenadas por área de atuação, aplicadas pela Sociedad Mercantil Estatal de Gestión Inmobiliaria de Patrimonio: Serviços de gestão para venda de imóveis: B.O.E. 195, de 13 de agosto de 2018; Serviços de arquitetura: B.O.E. 126, de 27 de mayo de 2015; B.O.E. 135, de 4 de junio de 2008; B.O.E. 106, de 2 de mayo de 2008;B.O.E. 85, de 27 de marzo de 2020 (entre outras). Além disso foi publicada a Ley 9/2022, de 14 de junho, com o título de “Calidad de la Arquitectura” que incorpora uma série de modificações legislativas dos Contratos do Setor Público, pela qual se transpõem ao ordenamento jurídico espanhol as Diretivas do Parlamento Europeu destinadas a melhorar a qualidade da arquitetura promovida pelo setor público. Essas medidas são complementadas pelo papel reservado ao Conselho sobre a Qualidade da Arquitetura, que realizará, entre outras tarefas, a aplicação das ferramentas com o objetivo de que as obras promovidas por essas administrações estejam alinhadas com o princípio de qualidade enunciado nesta lei. É urgente criar uma legislação que valorize critérios de qualidade e não dependa apenas do preço como principal fator. Isso ajudará a garantir uma remuneração justa e estimulará a qualidade nos serviços prestados.
𝐀𝐥𝐞𝐦𝐚𝐧𝐡𝐚:
Na Alemanha, perante a disputa com a Comissão da União Europeia (2015-2020), sobre a compatibilidade das taxas do Honorarordnung für Architekten und Ingenieure (HOAI) com a lei europeia, em 2021 entrou em vigor o novo HOAI e a lei subjacente que regula os serviços de engenharia e arquitetura (ArchLG), como forma de implementar o definido na sentença do Tribunal de Justiça Europeu (TJUE) de 4 de julho de 2019. Ou seja, o HOAI passou a ser um guia confiável para o cálculo de taxas apropriadas para arquitetos e engenheiros, garantindo a manutenção de um instrumento adequado para garantia da qualidade dos serviços prestados. É urgente criar uma legislação que valorize critérios de qualidade e não dependa apenas do preço como principal fator. Isso ajudará a garantir uma remuneração justa e estimulará a qualidade nos serviços prestados.
𝐈𝐭á𝐥𝐢𝐚: Em Itália, ao nível da encomenda privada, com a publicação do DECRETO 20 luglio 2012, n. 140, o Ministério da Justiça introduziu parâmetros que os juízes utilizam para determinar os honorários em caso de litígio. Considerando a Arquitetura no Capítulo V, o decreto determina que a remuneração destes profissionais deve ser calculada segundo fórmula específica (CP=V×G×Q×P), com calculadora própria e parâmetros facilmente deduzidos na Portaria. Na fórmula CP = V × G × Q × P, V é o valor estimado da obra, G é o grau de complexidade do serviço, Q é o coeficiente de qualidade técnica exigida, e P é a percentagem correspondente à fase do serviço (como estudo preliminar ou supervisão). Cada parâmetro é definido por tabelas anexas aos decretos, garantindo clareza e padronização. No que respeita à encomenda pública, a determinação das taxas a utilizar como base para os concursos públicos de serviços relacionados com a arquitetura e engenharia são definidas nos termos do Decreto Legislativo del 18 aprile 2016, n. 50 (Codice degli appalti / Código dos Contratos Públicos) e do respetivo regulamento definido pelo Decreto del Ministero di Giustizia del 17 giugno 2016, alterado pelo Decreto Legislativo 36/2023. Em paralelo, em Itália foi aprovada recentemente a Lei da Compensação Justa (Equo Compenso) que determina a justa remuneração aplicável aos serviços que tenham por objeto o trabalho intelectual relativo a atividades profissionais prestadas em benefício de companhias bancárias e de seguros, suas subsidiárias e agentes; empresas com mais de 50 trabalhadores; empresas com receitas anuais superiores a 10 milhões de euros; administração pública e empresas de capital aberto.
𝐏𝐨𝐫𝐭𝐮𝐠𝐚𝐥:
Apesar do Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC) incluir no seu plano de “INICIATIVAS ESTRATÉGICAS 2022-2025” a necessidade de uma revisão das leis regulatórias continuamos sem uma ação adequada do legislador. É importante sublinhar que esta entidade refere que “o enquadramento legal existente nos mercados regulados pelo IMPIC obriga a uma constante monitorização e acompanhamento dos mercados” e sublinha que “atendendo ao decurso do tempo em que as leis em causa se encontram em vigor, e à necessidade de as adaptar à atual realidade, (…), é intenção do IMPIC propor ao Governo a revisão das Leis Regulatórias (…)” e especifica quais, indicando concretamente “as do setor da Mediação Imobiliária (Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro),” as do “Setor da Construção (Lei n.º 41/2015, de 3 de junho e a lei n.º 40/2015, de 1 de junho)”, respetivamente, regime jurídico aplicável ao exercício da atividade da construção e regime jurídico que estabelece a qualificação profissional exigível aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projetos, pela fiscalização de obra e pela direção de obra. No entanto, quanto ao Código dos Contratos Públicos, entende o IMPIC que “não existe a necessidade de o alterar, uma vez que recentemente foi aprovado, pela Lei 30/2021 de 21 de maio” e que “não se prevê a publicação de novas diretivas europeias para os anos mais próximos”. Obviamente, a Ordem dos Arquitectos discorda.