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19 junho 23 Secção Regional Centro

III Fórum Regional de Arquitetura

Contra a seca e a intempérie, um «jardim de arquitetura» para o centro

«Estamos no início de um novo ciclo».

Na manhã do dia 3 de junho, na sessão de abertura do III Fórum Regional de Arquitetura, a vice-presidente da Ordem dos Arquitectos (OA), Paula Santos, aproveitou a presença em Coimbra ― cidade de arquitetos, história da arquitetura e património «notáveis», com uma relação forte entre arte e arquitetura e um modelo de ensino «de grande cultura arquitetónica e de grande esforço na demanda pelo valor da arquitetura» ― para reafirmar o papel da OA na valorização da profissão, apelando ao peso da câmara municipal na prossecução destes objetivos.

Carlos Reis Figueiredo abriu a sessão com os temas fundamentais do fórum: o equilíbrio de um território «flagelado pela seca e intempéries» e suas comunidades num mundo «em profunda alteração», com necessidades de alojamento, respeito pelos recursos naturais e um ambiente saudável. «É fundamental que nos organizemos para o futuro complexo que nos espera», alerta o presidente da Secção Regional do Centro (SR-CTR) da OA, que reforça a necessidade premente de arquitetos nesta nova ordem.

Agradecendo a presença do presidente da Câmara Municipal de Coimbra (CMC) na inauguração da nova sede da SR-CTR na Casa das Caldeiras, cuja reabilitação «fortalece a dignificação urbana» da cidade, Carlos Figueiredo afirmou que os arquitetos gostariam de ter a porta aberta, institucionalmente, para «construir modelos mais participativos». José Manuel Silva respondeu que a vivência conjunta entre os arquitetos e a CMC é absolutamente essencial. «Contem connosco para acarinhar a arquitetura na cidade, quer em termos de manutenção da sua traça típica e histórica, quer em termos contrastantes».

O presidente da CMC expressou o desejo de que Coimbra se afaste «do estigma de uma cidade que cresce lentamente» e descreve as suas intenções: «gostava que Coimbra fosse também um jardim de arquitetura», referindo-se ao impacto potencial que a arquitetura pode ter na cidade. O presidente da CMC mostrou-se agradado com a presença da SR-CTR em Coimbra, sendo a arquitetura uma «especialidade fundamental» numa cidade que, além do património histórico, «também se quer projetar no futuro».

Em representação da Universidade de Coimbra, o arquiteto Luís Miguel Correia, diretor do Departamento de Arquitetura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, sublinhou que a arquitetura não pode deixar de reclamar o seu lugar de autonomia e reafirmou o papel central da disciplina numa cidade que é património mundial. Mas «o património não é um lugar de memória, é um lugar de responsabilidade», afirma, e «só faz sentido se tiver uso presente e for projetado nesse sentido». Para Luís Miguel Correia, «ter a Ordem dos Arquitectos em Coimbra pode ser um passo no desígnio que a cidade merece».

A primeira manhã do III Fórum Regional de Arquitetura contou ainda com o lançamento da revista Arquitetura ao Centro, apresentada pela vice-presidente da SR-CTR e coordenadora do projeto, Carolina Freitas. A nova revista trienal de arquitetura conta também com uma exposição homónima, patente na Casa das Caldeiras até setembro de 2023, e com o sítio web arquiteturaaocentro.pt, com texto, áudio e vídeo. À apresentação juntaram-se Luís Miguel Correia, Sílvia Bernardino e João Paulo Delgado, membros da comissão de seleção dos 24 projetos, da autoria de 19 arquitetos a trabalhar na zona centro.

 

 

 

Painel I e II ― Região Centro: uma visão territorial, ambiental e cultural

Na tarde do dia 3, vários especialistas tentaram, em dois painéis, fazer uma caracterização multidisciplinar e apontar as necessidades dos territórios do centro.

Com trabalho desenvolvido sobre diversos aspetos do território, Pedro Bingre do Amaral abriu o painel afirmando, por um lado, que se o abandono dos campos está a produzir fenómenos interessantes ― como o regresso de animais nativos ―, está também a propiciar invasões biológicas, animais e vegetais, com o regresso de espécies arbustivas de tipo mediterrânico, altamente propensas ao fogo (tojo, giesta e esteva). O investigador avisou que «vamos ter de enfrentar o problema de um ecossistema profundamente alterado na sua composição botânica» ― o que, associado a uma elevada percentagem de território abandonado, «em mãos mortas», representa «um problema gravíssimo de proteção civil e de silvicultura.»

Em linha com os grandes problemas futuros do país, o engenheiro Armando Silva Afonso afirmou que os sistemas de saneamento nacionais atingiram o seu limite e tempo de vida, não estando preparados para fazer face aos desafios climáticos. Contudo, o país também não tem capacidade para uma remodelação nacional. Soluções de retenção e Sistemas de Drenagem Urbana Sustentável (ou SUDS) deverão estar cada vez mais entre as soluções para controlo de cheias. A escassez de água doce levará também à implementação de mais Sistemas de Aproveitamento de Águas Pluviais (SAAP). No novo regulamento português de águas e esgotos (a aguardar publicação), os SAAP não serão obrigatórios nas habitações, mas serão recomendados.

No final deste painel, o fotógrafo Duarte Belo percorreu algumas das suas obras (Caminhar Oblíquo ― 2020, Depois da Estrada ― 2020, Viagem Maior ― 2020, Projeto Entre Serras ― 2021, Paisagem Portuguesa ― 2022, entre outras) para culminar num pedido que deixou aos profissionais presentes: «Gostava muito que os arquitetos voltassem a tomar as rédeas do conhecimento do território português.» Duarte Belo é formado em Arquitetura e já fez mais de 611 527 fotografias, ao longo dos anos, do território e património português.

O segundo painel da tarde abriu com a intervenção de Dalila Dias, presidente da Associação Aldeias Históricas de Portugal. De todas as metas da associação, a atração de novos perfis demográficos segue uma tendência descendente, que a entidade não está a conseguir contrariar. Outra das preocupações da associação, de acordo com o retrato territorial da União Europeia para 2040, é a perda de identidade e do sentimento de pertença a estes lugares, com a intensificação de movimentos urbanos da cidade para o interior.

Ana Paula Malo, da Agência Portuguesa do Ambiente, alertou para «consumos exacerbados de água, pouca eficiência hídrica dos edifícios e para a pouca perceção de que falta água» em Portugal, tendo apelado ao envolvimento dos arquitetos nas fases de participação pública dos projetos de planeamento. Para a técnica da APA, o desafio de gestão da água está agora na reutilização de águas tratadas. Ainda que imprópria para consumo humano, já existem em Portugal duas ETAR com água 100 por cento reutilizada (para regas de campos de golfe e manutenção de habitats animais e para fins industriais).

A fechar o dia, o presidente da Câmara Municipal do Fundão revelou que as zonas de baixa densidade acima do Tejo perdem hoje uma pessoa por hora, ao passo que no resto do mundo se ganha mais de 27 mil pessoas por dia ― «um grande paradoxo, tendo em conta que vivemos num local onde muita da população global daria tudo para viver». No entanto, Paulo Fernandes admite que o problema provém de dificuldades que o país atravessa, como as relacionadas com a habitação. «Sem intervenções relevantes, a política pública começa a ficar muito afastada daquilo que é importante para a sociedade. A arquitetura tem responsabilidade; seguramente, sim.» O debate do II painel foi moderado pelo arquiteto e professor José António Bandeirinha.

 

Painel III ― Desenhar, promover e governar uma região

Quantas são as dimensões da arquitetura na relação com o território em que se insere? Numa tentativa de aproximar os arquitetos do conhecimento produzido nas universidades, a segunda manhã do fórum juntou investigadores de diversas áreas.

Cidade em profunda depressão demográfica, Gouveia é o município piloto do SENZEB, um projeto de investigação, desenvolvimento e construção de edifícios de balanço energético quase nulo, concebido pelo professor e arquiteto João Paulo Cardielos e por Eduardo Mota. Num país com os maiores indicadores de pobreza energética da Europa («um paradoxo num clima meridional como o português»), o projeto SENZEB explora aspetos do edificado e da população local, no centro de Gouveia, e propõe edificações ambientalmente amigáveis, com ciclos integrados de águas e eficiência hídrica, integradas num estímulo à mobilidade suave e à promoção de modos de vida sustentáveis.

Rita Ochoa, professora do Departamento de Engenharia Civil e Arquitetura da UBI, focou a sua apresentação no ensino e na promoção de estratégias colaborativas entre a universidade e a comunidade na área da arquitetura. Foi apresentado um conjunto de projetos que têm sido desenvolvidos pelos alunos da UBI dentro de uma dinâmica investigação ― ação, como o Memorial às Vítimas dos Incêndios (2018, Castanheira de Pêra), o projeto Pátio dos 80 (no Bairro das Nogueiras, um bairro periférico do Teixoso, considerado território vulnerável), o projeto Pontes e o Laboratório Urbano Projeto Brin-Criar, resultado do desenvolvimento da tese de mestrado de uma aluna da UBI.

«Efetivamente, nós somos a sociedade do conhecimento». A afirmação é de Alfredo Dias, cuja intervenção «O conhecimento científico e a valorização das comunidades locais» encerrou o III Fórum Regional de Arquitetura. O vice-reitor para o Património, Edificado e Turismo da Universidade de Coimbra admite que as comunidades locais «foram, ao longo do tempo, elas próprias mudando», mas são hoje indissociáveis, por exemplo, de um «bom ordenamento do território». «Qual é a comunidade local em que eu quero estar?», questionou Alfredo Dias. «Certamente, uma que tenha «boas infraestruturas, infraestruturas viárias, telecomunicações, boas oportunidades, bons equipamentos, uma atividade económica forte e um património rico e diverso. Quando pensamos em todas estas questões, julgo que não conseguimos ver esta comunidade sem o conhecimento científico.»

O debate, moderado por José Reis, encerrou a terceira edição do fórum.

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