26 março 25 Açores
Antigas instalações da Fábrica do Açúcar de Ponta Delgada recebem debate público sobre Património Industrial
A Secção Regional dos Açores da Ordem dos Arquitectos, no âmbito do Protocolo de Colaboração celebrado com a Secretaria Regional das Finanças, Planeamento e Administração Pública do Governo dos Açores, promoveu no passado dia 22 de março o debate público sobre a requalificação da antiga Fábrica do Açúcar, no concelho de Ponta Delgada.
Nesta iniciativa, que contou com cerca de 120 participantes, marcaram presença o Presidente da Secção Regional dos Açores da Ordem dos Arquitectos, Nuno Costa, o Secretário Regional das Finanças, Planeamento e Administração Pública do Governo dos Açores, Duarte Freitas, e o Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada, Pedro do Nascimento Cabral.
A Fábrica da Destilação de Álcool de Santa Clara, atualmente conhecida por Fábrica do Açúcar, foi inaugurada em 1886. Surgiu após o declínio da economia da laranja e aproveitando a conjuntura favorável ao cultivo da beterraba e, mais tarde, da batata-doce, proporcionada pelas condições climáticas e pelo terreno fértil.
Esta nova cultura de extração do açúcar (sacarose) da raiz da beterraba, anos antes, já havia sido alvo das primeiras experiências pelas mãos de Henrique Bensaúde, do Eng. José Cordeiro e da Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense, a primeira organização do género fundada no país em 1843.
Esta indústria foi tão expressiva e significativa nos Açores, que foram construídas cinco fábricas de álcool (duas na Terceira e três em S. Miguel). No caso da Ilha de S. Miguel, a primeira a surgir foi a fábrica da Lagoa, em 1882, a seguir a fábrica de Santa Clara e finalmente a unidade da Ribeira Grande, em 1890.
No entanto, no período áureo de produção do álcool na Região, o Ministério da Fazenda introduziu taxas de captação de dinheiro, o que provocou profundas reações na época, tanto da parte dos investidores, como da parte da própria classe trabalhadora. Para agravar ainda mais a revolta na Região, sabia-se que os lucros da indústria açoriana do álcool eram para aplicar na construção dos caminhos-de-ferro em Portugal Continental. Inclusive, há teses que defendem que esta agitação, que ocorreu de 1893 a 1895, conduziu ao chamado 1.º movimento autonomista, que deu origem ao decreto de 2 de março de 1895, com o respetivo reconhecimento da autonomia administrativa do arquipélago.
Logo no início do século XX, por Decreto de 1901, que visava defender os interesses da indústria continental, veio limitar a produção de álcool nos Açores. Nessa altura, os Açores, que já produziam 10 milhões de litros de álcool por ano, tanto quanto Portugal consome atualmente, viram por decreto da República a produção de álcool reduzida para 2 milhões de litros por ano.
Todavia, a Fábrica do Açúcar passou por diversas crises e processos de ampliação e modernização, tendo indubitavelmente contribuído para a economia e para o desenvolvimento da ilha de S. Miguel, tanto para consumo local quanto para exportação.
Sendo o maior complexo industrial edificado nos Açores até meados do século XX, hoje, a antiga Fábrica do Açúcar é considerada um património histórico e identitário, que representa a memória da economia do período áureo da industrialização nos Açores.
Mas, atendendo ao seu estado atual, como podemos recuperar este património industrial e dar-lhe um novo propósito? Essa é a questão central deste encontro.
O evento contou com a participação dos conferencistas José Mota, Domingos Lopes, Joana Mourão e Rui Monteio, numa sessão moderada por Isabel Soares de Albergaria. As comunicações, intituladas “desafios do urbanismo moderno, inclusivo e participativo”, “cidades sustentáveis e infraestruturas verdes”, “desafios energéticos e materiais da reocupação de edificado devoluto” e “turismo sustentável e planeamento urbano”, destacaram a importância da requalificação do património industrial para o desenvolvimento económico, social e cultural das populações.
Na mesa-redonda, que contou com a moderação de jornalista Inês Linhares Dias, participaram o Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada, Dr. Pedro do Nascimento Cabral, o Diretor Regional dos Recursos Florestais e Ordenamento Territorial, Eng.º Nuno Sousa, o Presidente da direção da Câmara de Comércio e Indústria de Ponta Delgada, Doutor Mário Fortuna, o Vice-Presidente da Direção da AICOPA, Eng.º Francisco Morais, o Diretor do Museu Carlos Machado, Dr. João Paulo Constância, e o Presidente da Secção Regional dos Açores da Ordem dos Arquitectos, Arq. Nuno Costa.
Ainda no período da manhã, as arquitetas Ana Fernandes e Carolina Cordeiro conduziram a visita às antigas instalações.
Durante o período da manhã, a população teve a oportunidade de manifestar as suas preocupações e apontar algumas propostas de ocupação e, durante o período da tarde, os participantes formaram grupos de trabalho alargados para abordar os 4 desafios/oportunidades mais votadas, tendo refletido e elaborado propostas de solução para a requalificação da Fábrica do Açúcar, as quais foram apresentadas. Desta reflexão, a população apontou como prioridades a presentação do património e a sua musealização, a existência de espaços multiusos, comercias e serviços, a construção de habitação e a criação de espaços verdes. A construção de uma estação intermodal foi a proposta mais controversa.
Esta iniciativa foi precedida por uma sessão sobre a antiga Fábrica do Açúcar, que teve lugar no Centro Cívico e Cultural de Santa Clara, no concelho de Ponta Delgada, no dia 18 de março. Esta sessão, que procurou revigorar a memória da Fábrica, contou com a moderação de João Paulo Constância e a participação de Ana Maria Faria e Maia, António Arruda, Jorge Franco, João Pacheco de Melo e Augusto Cymbron.
Concluído o prazo de auscultação dos cidadãos (31 de março), a Comissão de Trabalho irá elaborar um Relatório Intercalar, com o balanço do debate público, a análise dos contribuídos da sociedade civil e com eventuais recomendações de intervenções imediatas.
No último trimestre deste ano de 2025, a Comissão de Trabalho deverá concluir o documento Proposta Orientadora, com a proposta de programa e medidas a desenvolver para a requalificação da fábrica. Este documento, será entregue pela Secção Regional dos Açores da Ordem dos Arquitectos à Secretaria Regional das Finanças, Planeamento e Administração Pública do Governo dos Açores.
Reveja o encontro público disponível AQUI.