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25 abril 24 Secção Regional LVT

Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril – As Brigadas de Abril

 

 

 

 

 

 

 

A Secção Regional de Lisboa e Vale do Tejo organizou a conferência "As Brigadas de Abril", sobre o estabelecimento e ação do Serviço de Apoio Ambulatório Local (23 de abril)

O aprofundamento das pesquisas sobre o Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL), corpo de especialistas criado em 1974 para desenhar e pôr em marcha soluções habitacionais para a imensa população dos bairros de lata, barracas e casas degradadas de Portugal, em coordenação com associações de moradores e os seus recursos eventualmente disponíveis, levou o arquiteto e investigador da CEAU-FAUP Ricardo Santos a afirmar-se espantado pela dimensão, heterogeneidade e desenvolvimentos do “processo”.

Ricardo Santos, um dos oradores na sessão organizada pela Secção de Lisboa e Vale do Tejo “As Brigadas de Abril” (23 de abril, na sede da Ordem dos Arquitectos), contextualizou o SAAL como um “processo” – “as pessoas não falam em projeto, começava antes da intervenção e continuava depois do projeto, com alta participação popular, a ideia de democracia direta, o controlo pelo povo, ao serviço do qual estavam os técnicos”.

O SAAL registou 170 operações iniciadas, a construção de 76 bairros e o envolvimento de 42 mil famílias entre 1974 e 76, ano em que passou para a alçada das autarquias. “Só em Lisboa houve intenção de construir 17 bairros, sete chegaram à construção, dois foram terminados”.

O arquiteto reafirmou, também, a homenagem a Nuno Teotónio Pereira e Nuno Portas (um dos objetivos do encontro), com o primeiro na ‘sombra’ do segundo, programático, incentivador e aconselhador, como bem prova o texto de junho de 74 “Estudo Interpretativo dos Objetivos a Prosseguir através do SAAL”, em que que desenvolvia aspetos da intervenção – o apoio do Fundo de Fomento da Habitação às ações ou o perfil das Brigadas de Construção.

Outros nomes devem ser rememorados, segundo Ricardo Santos, como os arquitetos Pedro Botelho e Filipe Lopes, os assistentes sociais, os sociólogos, os militares (a assistente social Adelaide Cordovil, que trabalhou no SAAL Fonsecas-Calçada, e o coronel José Baptista Alves, diretor nacional do SAAL entre 1975 e 1976 foram oradores deste debate), os estudantes de arquitetura e de outras formações (que acorreram às populações abrindo caminho para criar confiança e disponibilidade mútuas) e, evidentemente, os moradores, que lideraram com entusiasmo e espírito reivindicativo muitas das reuniões com os técnicos, como mostram os arquivos fotográficos da época.

A heterogeneidade do “processo” não foi apenas dos seus participantes, mas das soluções para os três polos SAAL: “a autoconstrução foi liminarmente rejeitada pelos moradores do SAAL/Norte (Porto) e SAAL/Centro e Sul (Lisboa), enquanto no SAAL/Algarve (Lagos) mais de 20 bairros foram autoconstruídos”. Esta diferença tinha a ver com as profissões e vidas das pessoas das várias regiões e com a escala das intervenções.

A escala das intervenções, segundo Ricardo Santos, transformou a luta pelo direito à habitação numa reivindicação maior e de bom senso – na luta pelo direito ao bairro, aos equipamentos, à cidade ligada e envolvida: “Os planos para a cidade meteram medo ao poder. Imaginem 17 bairros a comunicar entre si, e o poder popular a querer decidir onde pôr a escola, a passagem do SAAL para as autarquias representa esse medo”. E o SAAL permitiu, ainda, o direito dos pobres a desafiar e discutir com os melhores arquitetos da época.

A arquiteta Lia Antunes, a preparar uma tese sobre a intervenção das mulheres no SAAL (no Darq-UC e Centro Interdisciplinar de Estudos de Género do ISCSP), destacou o papel das moradoras dos bairros de lata, a sua tomada da palavra como a primeira ideia de cidadania, a sua organização e o conhecimento sobre os fogos existentes, sobre as casas que seriam necessárias e sobre a composição das famílias. “As mulheres preparavam as palavras de ordem para as manifestações”, sinal da consciência da sua condição e da vontade reivindicativa.

Quanto às técnicas, o seu papel é significativo, como foi o caso da arquiteta Ana Salta e de Manuela Madruga (da Brigada Técnica, nome das equipas técnicas do SAAL, maioritariamente com jovens arquitetos e estudantes, que viriam a elaborar planos e projetos e a diagnosticar as situações habitacionais) no Bairro Esperança de Beja; com Nuno Portas, a arquiteta Margarida de Souza Lobo tinha esboçado um modelo de intervenção multidisciplinar e de habitação evolutiva para o bairro de lata da Quinta do Pombal; a socióloga Isabel Guerra, que trabalhou nos bairros sociais de Setúbal, “em janeiro de 74 já tinha apresentado uma proposta para o Bairro da Liberdade que antecipava o SAAL”; “as assistentes sociais foram a cola do processo”, com presença diária nos bairros mediando conflitos, respondendo aos inquéritos sobre as condições físicas dos bairros, e sobre necessidades e desejos das populações. Houve também “uma dimensão internacional” com participação de técnicas de outros países e muitos outros exemplos de compromisso, de “urgência, intensidade, generosidade” podiam ser dados.

Justamente sobre a “intensidade” dos trabalhos e da vivência que os caracterizou falou Adelaide Cordovil, assistente social e elemento da equipa do SAAL no Fonsecas-Calçada. “Já lá vão 50 anos, era tudo muito intenso. Estava a destapar-se uma panela de pressão?”. Adelaide Cordovil explicou que as pessoas acreditavam no que podiam transformar, tinham essas vontade e energia, aprendiam umas com as outras e tinham ideias claras e fundadas do que precisavam para as suas casas.

“Fui para o SAAL por decisão revolucionária”, disse o coronel (então capitão) José Baptista Alves, diretor nacional do SAAL entre julho 1975 e junho de 1976. No 25 de Abril estava em Angola, vindo a ser indigitado para suceder à primeira diretora do programa, Maria Proença. Sem conhecimentos na área da habitação (é engenheiro eletrotécnico de formação), viria a socorrer-se da ajuda do arquiteto José Rafael Botelho e também do conhecimento de Maria Proença, numa altura em que as brigadas estavam na rua a trabalhar.

“O programa do MFA era claro, era preciso dar condições de habitação e de vida digna às pessoas”. Uma das suas ações foi criar regras de relacionamento entre as brigadas e as autarquias. Confirmou o desvio programático do SAAL, quando a sua alçada passou para as câmaras municipais. “O SAAL era um processo revolucionário, com grande participação das populações. Não acabou com a passagem para as câmaras, mas tornou-se híbrido”.

Pedro Novo, presidente da OASRLVT, apresentou inicialmente os oradores, destacando “o Abril da arquitetura”, “a homenagem que a Secção quis prestar aos ‘Nunos’” e relembrando Bartolomeu Costa Cabral, recentemente falecido, “também interveniente no SAAL”.

Ainda no início da sessão, João Paulo Bessa, presidente da Mesa da Assembleia Geral da OASRLVT, leu um texto de homenagem ao arquiteto João Braula Reis, cuja história pessoal se cruzou com o início da Revolução dos Cravos. 

Um excerto do filme “Habitat” (1976, 25’), de Fernando Lopes, que representou Portugal na conferência Habitat I da ONU (Vancouver, Canadá) foi também exibido, para contextualizar o que se dizia das operações em curso na altura.

 O debate foi moderado pela jornalista Catarina Carvalho, diretora do jornal “Mensagem de Lisboa”.

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